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RACISMO AMBIENTAL

Uma reflexão sobre meio ambiente com recortes de raça, classe e gênero

O entendimento sobre injustiça e racismo ambiental parte do princípio estatístico de que grupos marginalizados habitam regiões com maior presença de lixões, aterros de lixo químico e radioativo, indústrias poluentes e comunidades próximas de barragens, mas não por acaso. São projetos, políticas públicas estratégicas de despejo de restos nos locais mais invisíveis possíveis. Os casos de contaminação e “desastres” ambientais, acometem portanto, especificamente, as populações vulnerabilizadas e as atingem de maneira completamente desproporcional.

Em meio à herança da luta por direitos civis nos Estados Unidos dos anos 1960 surgiu, pela primeira vez, no início dos anos 80, a perspectiva por uma política de justiça ambiental. Tendo como pano de fundo casos como o de Love Canal e de Cancer Alley – ambos exemplos de contaminação química em massa – centenas de cidadãos estadunidenses, principalmente negros, passaram a reivindicar atenção pública às negligências desse cunho que afetavam a população. 

Percebendo as amplas e desmedidas consequências dos desastres a grupos específicos da sociedade, os manifestantes passaram a enfatizar suas contestações. No Brasil, o braço mais consolidado e antigo desse movimento se manifesta pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), criada há mais de vinte anos por diversas instâncias da sociedade. 

No entanto, com o crescimento do movimento, ficou cada vez mais evidente o recorte não só econômico mas, principalmente, racial dos sujeitos afetados. O termo “racismo ambiental” passa, então, a ganhar cada vez mais espaço nas ruas e na academia. Segundo o criador do termo, Benjamin Franklin Chavis Jr., líder negro pelos direitos civis em 1981, “racismo ambiental é a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.” A questão ambiental, em si, é atravessada pelo racismo estrutural. Esse processo tem seu início na invasão e exploração dos territórios indígenas e na escravização da população negra a partir da colonização nas Américas. Até hoje, essas populações pagam com a própria vida o prejuízo causado pela ação do homem-branco-burguês contra o meio ambiente. As elites econômicas do país, por outro lado, obtêm todos os lucros da exploração de riquezas naturais e a degradação recai sobre as comunidades vulnerabilizadas. Nenhum tipo de política pública é proposto nesse sentido. A resistência e a luta por direitos da natureza e direitos humanos à população parte, como sempre, da própria população afetada. São lutas travadas no intuito de reganhar o direito de viver e não sobreviver e, nesse aspecto, só a revolução pode fazer a diferença através da voz dos povos atingidos. Apenas através das lutas os direitos são conquistados.

Também é denominador comum nessas situações que as empreitadas, as quais põem em risco essas pessoas, sejam mascaradas em nome do desenvolvimentismo, considerando a presença desses corpos um impeditivo para o “progresso”. É o caso de grandes hidrelétricas, novos aterros químicos e até a liberação em massa de agrotóxicos para uso no campo.

De maneira gradativa, o sentido de racismo ambiental se ampliou e seu entendimento passou a englobar (a falta de) saneamento, a gentrificação e quaisquer operações negativas de caráter político, econômico e social que atinjam o bem estar das populações em questão.

No Brasil, com a grande desigualdade social, é justificável que a variação desse perfil de pessoas atingidas aumente. São englobados nesse conceito populações negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, nordestinos migrantes, povos originários e trabalhadores sem terra. Todos aqueles que sofrem prejuízos de caráter vital em uma sociedade que constantemente trava a luta entre aquilo que é natural e o desenvolvimentismo. O esforço de enxergar nesses recortes a discrepância de atenção e tratamento quanto ao ato pós-desastre é também uma tentativa de alertar sobre o início dessas injustiças e, assim, evitar as fatalidades finais.

Manifestação MAB | @carolferrazfoto

Nessa perspectiva, nasce na década de 1980 o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), através de experiências de organização para o enfrentamento de ameaças e agressões sofridas na implantação de projetos de hidrelétricas. A luta pelos direitos dos atingidos pretende transformar pela raiz todas as estruturas abusivas da sociedade. O MAB se organiza ativamente contra a destruição da natureza e contra as injustiças cometidas contra os atingidos por barragens, que vivem uma vida inteira tentando se reapropriar, somente, de seu direito de viver. 

O Movimento tem o objetivo de defender os interesses e necessidades das populações atingidas pelo sistema de geração, distribuição e venda de energia elétrica. As lutas do movimento atualmente se dividem e se entrelaçam entre dois braços mais amplos: a luta por direitos humanos e a luta por energia e água. A primeira age nas intenções de efetivar direitos como reassentamentos, indenizações, pagamento de auxílios e tratamento equivalente a homens e mulheres. Por meio dos trabalhos de formação e educação popular, esse ramo transpõe as fronteiras da linguagem tornando possível e efetiva a apropriação de novos espaços.

Na luta por energia e água o Movimento sustenta a perspectiva de que esses dois elementos  não são mercadorias e defende um Projeto Energético Popular – uma proposta de controle de água e energia soberano, distribuidor de riquezas e, sobretudo, do povo, que não siga mais a “lógica de mercado” – que faz com que a população brasileira tenha que arcar com tarifas de energia assustadoramente caras em um país que produz tão grande quantidade de energia com custo de produção extremamente baixo. O MAB considera a água como necessidade humana e direito fundamental, que não pode ser mercantilizado. Para o Movimento, os abastecimentos públicos de água e de coleta de esgoto devem ser, portanto, direito do povo a ser garantido pelo Estado.

Além disso, as construções de barragens geram, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, acentuando as desigualdades sociais no país, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual das populações atingidas. Os dois recentes “acidentes” criminosos de rompimento de barragens de mineração em Minas Gerais (Mariana, 2015 e Brumadinho, 2017) evidenciam tal situação. O Brasil possui um grande número de barragens e a intensidade dos impactos negativos é expressiva, sendo decorrentes da ausência de segurança e do padrão de violação de direitos dos atingidos desde seus planejamentos. Mais uma vez, a lógica capitalista passa por cima dos direitos humanos, tratando os indivíduos como impeditivos para o progresso.

A pandemia evidenciou a desigualdade estrutural que opera em todas os aspectos da sociedade, inclusive ao estabelecer quem serão as principais vítimas das injustiças sociais. Esta realidade é global e deve ser agravada ano após ano com a intensificação da crise climática, que inclui aumento da temperatura atmosférica, a maior ocorrência de tempestades e enchentes, entre outros fatores que acometem sobretudo as populações vulnerabilizadas, citadas ao longo deste artigo. Espera-se que a partir dessa discussão fique perceptível o plano de desmonte da força vital dos indivíduos como pilares importantes de suas comunidades, mas também, que esses mesmos não desistem de provar o oposto.

As mulheres -grandes vítimas dentro da reprodução do sistema capitalista, baseado em valores patriarcais e machistas- apesar de serem a parte da população mais afetada com a desigualdade social, que se acentuou com a pandemia, são parte fundamental para o fortalecimento da resistência às injustiças – criminosas- cometidas e ocultadas pelo Estado.

 “Apesar do isolamento social, que escancara ainda mais as desigualdades de gênero, as mulheres lutam e buscam um elo de conexão entre a classe trabalhadora. São elas as protagonistas de redes de solidariedade com a distribuição de comida para as famílias mais vulneráveis, revelando o descaso do governo Bolsonaro com a população brasileira. Nos casos de violência, foram elas que exigiram dos estados medidas de segurança e transparência nos dados, e construíram redes de comunicação via aplicativos para situações de violência. Todas as contradições presentes na realidade, agravadas pela pandemia, provam duas coisas: de um lado, as mulheres são as que sofrem as piores consequências das desigualdades; de outro, são elas que provam na prática, que são resistentes, lutadoras, e pensam no bem comum da coletividade. São protagonistas de lutas e sonhos pela liberdade das mulheres e da classe trabalhadora. Resistir é o que nos cabe com muita solidariedade entre mulheres e homens até que todas sejamos livres.” (MAB: Apesar de serem as mais impactadas com pandemia e desigualdade, mulheres fortalecem a resistência)

Segundo dados do MAB, “o número de deslocados por barragens nos últimos 20 anos é estimado em mais de 40 milhões de pessoas, sendo boa parte delas populações indígenas e tribais. Em todos os casos as mesmas consequências acontecem ao longo do tempo: a degradação de florestas, redução drástica da pesca, emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e o aquecimento global, riscos de tremores de terra, mudanças climáticas, morte dos cursos d’água.”

Referências e Indicações

Monik Klein

Monik Klein

Ana Júlia

Ana Júlia Ramos

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