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O DIREITO UNIVERSAL À RESPIRAÇÃO

Para citar esse texto:

LARANJEIRAS, L. H. O DIREITO UNIVERSAL À RESPIRAÇÃO. Debates Pós Coloniais e Decoloniais, 29 set 2020. Disponível em: https://decoloniais.com/o-direito-universal-a-respiracao/  Acesso em: *inserir data*

Introdução

Ah o Brasil! Um gigante pela própria natureza, belo, forte, impávido colosso, de um futuro certo: o que espelha sua grandeza. Como nos toca e nos arrepia os versos do nosso Hino, que tão pouco representa a imagem de Brasil que assistimos sucumbir diariamente.

Se déssemos um corpo a este nosso gigante, este provavelmente seria o de um paciente – homem, como pede o patriarcado, frágil – mesmo que não admita, talvez com algumas costelas perigando a mostrar-se – já que seu nome começa a voltar a aparecer no Mapa da Fome, que precisa da ajuda de aparelhos para tentar sobreviver à intoxicação por monóxido de carbono que o acomete.

Segundo os médicos, nosso paciente foi atacado pelo parasita do Capital. Seu corpo, já não mais tão exuberante como canta a nação, está em ruínas. A Amazônia, que fica ali na região da sua cavidade craniana, já foi comprometida numa área correspondente a mais de 172 milhões de campos de futebol. Sua cavidade torácica, o Cerrado, agora é revestida por uma caixa desprotegida, frágil, cada vez mais invadida e desmatada. O restante do seu tronco, a Caatinga e o Pantanal, está em chamas. Uma de suas pernas, o Pampa, está esburacada, refém da mineração, a outra, a Mata Atlântica, luta para não mais cambalear.

E assim segue o nosso paciente. Faminto, vulnerável, desprotegido, com os pulmões cheios de fumaça, consumido pelo parasita do Capital. Nosso paciente, coitado, enfrenta ainda um vírus que ameaça seus filhos e filhas, e o desnuda frente as injustiças e desigualdades que cometeu durante seus duros anos de vida.

Com os olhos lacrimejantes, abalados com o diagnóstico, a primeira pergunta que vem a mente de sua prole é: doutor, quanto tempo resta ao nosso querido Brasil?

Num contexto de angustia com rumos da “humanidade errante”, o sociólogo camaronês Achille Mbembe escreveu O Direito Universal à Respiração, um artigo que trata da asfixia e putrefação de corpos causada pela Covid-19 – desses tempos em que o mundo se vê sem garantias e promessas, dominado pelo medo de seu próprio fim, enquanto expressão espetacular do impasse planetário que nos colocamos há tempos.

 “Até onde irá a propagação de bactérias de animais selvagens em direção aos humanos se, a cada vinte anos, quase cem milhões de hectares de floresta tropical (pulmões da Terra) forem cortados?    

Mbembe nos lembra que antes da colonização, os animais selvagens, que acabam sendo uma espécie de depósito de patogênicos, estavam confinados a ambientes em que apenas viviam populações isoladas. Populações estas que durante séculos viveram em equilíbrio com a natureza, e se viram exploradas, expulsas de seus territórios em prol da venda de terras e de concessões estatais para o agronegócio (que não é nada pop), numa lógica Moderna/Colonial, que já drenou 85% das áreas úmidas do mundo, desmata intensivamente, incendeia ecossistemas, polui e destrói a biodiversidade por meio de suas empresas.

Assim, antes do Coronavírus a humanidade já estava ameaçada de asfixia, lidando com uma respiração difícil, ofegante, uma vida pesada, uma afronta ao seu direito universal. Mbembe entende a respiração não como um processo meramente biológico, de absorção de oxigênio e rejeição de dióxido de carbono, mas como um direito fundamental à existência, que nos é comum e não quantificável, um direito originário de habitação da Terra cuja universalidade abarca todos os seres, humanos ou não.

 “No compasso em que anda a vida na terra, e em vista do pouco que resta da riqueza do planeta, estaremos tão distantes assim do tempo em que haverá mais dióxido de carbono para inalar do que oxigênio para aspirar?”

Dentre todos os perigos que ameaçam a terra, o maior é o de que toda forma de vida seja inviabilizada. Assim, Mbembe clama que façamos uma interrupção, que não seja forçada como a que estamos vivendo, e sim voluntária, consciente e plenamente consentida, a fim de recuperarmos as fontes do nosso mundo e de forjar um futuro que resgate o elo entre a humanidade e a biosfera.

Caso contrário, só podemos fazer uma pergunta: doutor, quanto tempo nos resta? 

Acesse o artigo “O Direito Universal à Respiração”

Leandro Laranjeiras

Leandro Laranjeiras

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