Para citar esse texto:
KLEIN, Monik; MOTTA, Victoria. INDEPENDÊNCIA OU MORTE? Debates Pós Coloniais e Decoloniais, 7 set 2020. Disponível em: https://decoloniais.com/independencia-ou-morte/ Acesso em: *inserir data*
Independência ou morte? O que estamos celebrando? Será que realmente nos tornamos independentes há quase 200 anos atrás? Mesmo que tenha sido acordado uma “independência” entre Brasil e Portugal, finalmente tivemos controle sobre nossas vidas?
Para começar, o processo de independência no Brasil não seguiu os mesmos parâmetros que os de seus países vizinhos. Na verdade, vivemos uma série de bizarrices.
Sessão do Conselho de Estado, óleo sobre tela (1922), por Georgina de Albuquerque. Imagem: Museu Histórico Nacional
O tal do “Grito do Ipiranga” realmente deve ser entendido como “O” Momento de independência ou ele é só mais um mito épico? Não teria sido Leopoldina a responsável pela independência, já que ela participou na redação dos documentos enquanto D. Pedro I estava em viagem? Seria José Bonifácio, despedido em 1823 pelo próprio D. Pedro I, o patriarca da independência? Não houve participação popular? Foi tudo “um grande acordo nacional com supremo com tudo”?
O primeiro passo para a independência da Bahia, óleo sobre tela (1931), por Antônio Parreira.
Imagem:Wikipedia Commons
Uma outra peculiaridade da independência brasileira que nos é vendida na escola é que não houve guerra de independência. Diferente de nossos vizinhos, não precisamos manchar de sangue nosso país para nos tornarmos “verdadeiramente” brasileiros? Ou só não houve guerra no Rio de Janeiro e o que acontece no resto do país (nesse caso, nas províncias da Cisplatina, Bahia, Grão-Pará, Piauí e Maranhão) continua sendo apagado?
Mas, então, como foi o Tratado do Rio de Janeiro (1825), que formalmente reconhece a soberania brasileira? Nós nos desvinculamos de Portugal, certo? Bom, vemos que a “narrativa oficial” aponta que, como Portugal era aliado da Inglaterra, a questão de reconhecimento da independência brasileira era complicada, logo esse tratado era importante para nós. Por outro lado, o que realmente foi considerado nas negociações não necessariamente tinha o interesse popular em mente, mas as preocupações dinásticas de D. Pedro I.
Em troca dessa “independência”, pagamos bem caro. O mais humilhante foi a consideração no papel que a independência foi “transferida de sua livre vontade” por Portugal. Isso é bem problemático até nos dias de hoje, porque só alimenta a narrativa de que a colonização portuguesa foi boa para o Brasil. Mas, falando em dinheiro mesmo, pagamos a conta da mediação da Inglaterra e uma indenização de dois milhões de libras esterlinas para que Portugal aceitasse a independência do Brasil.
Assim, queremos levantar questionamentos importantes nesse 7 de setembro e promover uma reflexão para além das informações que sempre nos foram passadas sobre o processo de independência do Brasil. Com outro olhar à independência do Brasil, pode-se atribuir a fundação de um novo império português, se observarmos que continuamos a ser governados por uma extensão do governo da metrópole, uma vez que D. Pedro I era, sobretudo, herdeiro do trono de Portugal. No contexto em que foi proclamada a “independência”, não havia sinais de um sentimento patriota no Brasil, éramos colônia, descentralizada no plano interno e completamente alinhada aos interesses econômicos de Portugal.
Nesse sentido, podemos falar sobre um “grande acordo de independência”, em que D. Pedro I, sobrepôs seus interesses dinásticos aos próprios interesses do povo. Um símbolo disso foi a primeira Constituição brasileira, imposta em 1824, para atender principalmente aos desejos do imperador, sendo ele, o único apto a assinar tratados para o Brasil. Todo esse movimento tem início com a Revolução do Porto, em 1820, que exigia a volta de D. João para Portugal e o restabelecimento do Pacto Colonial, que se desfez em 1810 com a abertura dos portos brasileiros para o comércio, sobretudo com a Inglaterra.
Não houve participação popular no movimento de D. Pedro I. O Brasil vivenciava contradições e conflitos sociais internos, sem condições de gerar forças autônomas capazes de criar unidade nacional e um desenvolvimento revolucionário apto a reorganizar a sociedade e constituí-la em nação. Latifundiários brasileiros, interessados na independência pela liberdade que teriam no mercado, aproximaram-se do príncipe regente, oferecendo apoio para torná-lo Imperador, caso ele realizasse o movimento de independência sem a participação do povo, por medo da potencial revolta popular.
O movimento de independência de D. Pedro nada mais foi que um grande acordo, que também beneficiaria Portugal, atravessada pela crise em seu plano interno. O novo império do Brasil era visto pelos portugueses como a chance de reequilibrar a vida econômica de Portugal por meio de uma política econômica puramente comercial e financeira.
A história da Independência do Brasil, sempre apresentada para nós de forma romântica, glorificando o heroísmo e a coragem de D. Pedro I, mostra como foi manipulada uma identidade nacional através de memórias que não representam o que de fato aconteceu. O D. Pedro interpretado em filmes, por exemplo, estranhamente aparece muito próximo ao povo. Mas, ao mesmo tempo, esse “povo” se restringe às elites sociais da época.
O debate que queremos levantar dessa vez é sobre o processo de independência ter se desenvolvido ao longo de anos, desde a chegada da Corte no Rio de Janeiro em 1808, e ter ido além do “Grito do Ipiranga” em 1822, sobretudo motivado por interesses econômicos das elites locais. Para a maior parte da população no Brasil, nada mudou.
Referências
Gostou do assunto e quer ler mais sobre? Recomendamos os seguintes textos:
- A interiorização da metrópole e outros estudos, por Maria Odila Leite da Silva Dias
- A Outra Independência – O Federalismo Pernambucano de 1817 a 1824, por Evaldo Cabral de Mello (A fundação do Império contada de outro ponto de vista)
- É verdade que o processo de Independência do Brasil não teve uma gota de sangue sequer?