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HETERONORMATIVIDADE E COLONIALIDADE

Há 30 anos, em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde retirava a homossexualidade de sua lista de Classificação Internacional de Doenças. Desde então, o dia 17 de maio se tornou símbolo da luta contra o preconceito e a violência que ainda sofre a população LGBTQI. Hoje e sempre, é importante refletirmos sobre como se construiu essa narrativa que abomina a diversidade sexual, a ponto de ser considerada uma patologia mental. Em todo o mundo, sempre foi assim?

Sabemos que não.

O processo colonizador imposto às populações originárias previa necessariamente apagar e reconstruir suas identidades culturais, as condenando e moldando através do julgamento ético e moral eurocêntricos. Mais do que enxergar o colonizado como ausente de valores, o europeu-branco-burguês buscava transformá-lo no seu oposto, no “mal absoluto”, desumanizado e bárbaro, aquele que necessita uma intervenção para tornar-se antes humano, e então civilizado, moderno. Essa lógica embasou a imposição da dominação e controle sociais pelas elites burguesas e católicas, que viam a sexualidade como servente à perpetuação da ordem e economia capitalistas nascentes.

O ocidente então não mediu esforços para doutrinar e regrar as práticas sexuais, servindo-se do controle da produção de conhecimento para embasar-se, o braço forte do cristianismo sendo seu principal instrumento. Nesse contexto, impõe-se a naturalização de um equivocado paradigma binário de sexo e gênero (two-sex model), onde os indivíduos só podem ser classificados como homem-macho ou mulher-fêmea. A mulher se torna o “inverso complementar” do homem, biológica e socialmente. Para garantir a manutenção de interesses reprodutivos, a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica, concretizando a homofobia através do aparato institucional e burocrático.

Sociedades que antes celebravam e mesmo louvavam a diversidade de gênero (da forma como entendemos gênero hoje) -como os Cherokees da América do Norte- passam a ser controladas por uma lógica dicotômica hierárquica, conservadora, monogâmica, patriarcal e heteronormativa. As sexualidades contra-hegemônicas são, nesse sentido, vistas como uma ameaça, como permanente “mal absoluto” e são duramente perseguidas para serem erradicadas, ou ao menos marginalizadas. É o que se vê, por exemplo, quando os britânicos criam em 1871 leis de erradicação dos hadjis transsexuais da Índia por considerá-los “abomináveis”.

O fim do colonialismo territorial não significou o fim do colonialismo social e cultural discriminatórios. Essa normalidade imposta da heterossexualidade monogâmica se faz valer ainda atualmente, ditando a aceitação dos indivíduos à sociedade civil, e é necessário que questionemos a legitimidade do patriarcado como uma categoria transcultural. O Brasil é, hoje, o país onde mais se matam travestis e transsexuais no mundo, mas este mesmo território já foi palco de culturas diversas que tratavam gênero e sexualidade sem os preconceitos e violências que permeiam diversos países do Sul Global; culturas que, segundo relatos de historiadores, tinham a homossexualidade em seu meio cultural e social de forma natural.

Hoje, o discurso eurocêntrico neocolonial se diz inventor e guarda da defesa dos direitos humanos, e ignora os preconceitos não somente incitados, mas impostos ao resto do mundo num passado próximo. É importante conhecer e entender o passado e a complexidade dos discursos LGBTQI fóbicos em nosso país, para combatê-los assiduamente e lutar por um futuro de segurança e liberdade de ser, sentir e se relacionar para TODES.

Luany Marques

Luany Marques

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Debates Pós-Coloniais e Decoloniais

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