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ESTUDOS SUBALTERNOS: DESAFIANDO A HISTORIOGRAFIA HEGEMÔNICA

Frente às várias manifestações da literatura pós-colonial e decolonial de forma inter/trans/anti-disciplinar, é importante ter cautela não só com a heterogeneidade dessas abordagens, mas também a própria violência da nomenclatura. Muitos dos pensadores que comumente aprendemos nas disciplinas mais teóricas sequer se identificam com as “caixinhas” nas quais os categorizamos. Por um lado, essa é uma das formas que buscamos fazer sentido da magnitude de ideias que precisamos aprender (em pouquíssimo tempo) e como elas conversam nos campos de estudo em que temos interesses. Por outro, podemos estar cometendo violências que de-formam, trans-formam e re-formam as propostas desses autores.

O texto de hoje se propõe a apresentar mais amplamente o movimento dos Estudos Subalternos. Entendemos que a importância de colocar em evidência esse agrupamento teórico-metodológico se dá, principalmente, pela sua carência nos debates acadêmicos no Brasil e na nossa própria formação. Nosso objetivo é proporcionar um sobrevoo sobre o histórico e as principais discussões que (des)uniram alguns pensadores que tinham, pelo menos em um primeiro momento, algum vínculo com o debate historiográfico sobre a Índia. De fato, esses autores e suas ideias são bastante diferentes entre si e, mais vezes do que se pode pensar, eles discordavam um dos outros. O que faz desses autores parte de um movimento mais ou menos coerente ao ponto de podermos dizer que há algo como os Estudos Subalternos? Como seus interesses de pesquisa e disputa política fazem sentido dentro dos debates pós-coloniais e decoloniais? Por que pensar sobre a Índia pode interessar discussões para além desse contexto? 

Histórico

A categoria de subalternidade aparece pela primeira vez num contexto de reflexões pós-coloniais na década de 1970, com o termo “subalterno” sendo usado para se referir às pessoas do país sul-asiático que foram colonizadas. A partir dessas discussões promovidas por historiadores e pesquisadores indianos e ingleses, surgem os estudos subalternos no início dos anos 1980, na Universidade de Sussex, Inglaterra, dando origem à publicação de uma nova revista na índia chamada “Subaltern Studies: Writings on South Asian History and Society.”

A revista, inicialmente, teria apenas 3 volumes contendo diferentes textos de autores sobre a temática central. O primeiro volume foi publicado em 1982, seguido pelo segundo e terceiro volume lançados ao longo dos dois anos posteriores. No entanto, seu sucesso foi tão grande que mais 3 volumes foram publicados até 1989, totalizando 47 ensaios e 15 livros ligados ao tema. Sendo assim, o que antes era um pequeno grupo de 8 colaboradores tornou-se um movimento cada vez mais relevante no âmbito dos estudos pós-coloniais, influenciando até mesmo na criação de um grupo latino americano de Estudos Subalternos. Hoje em dia, existem pelo menos 11 volumes da revista “Subaltern Studies” com escritos pertencentes a mais de 44 autores (Ludden, 2002).

Apesar do aumento na visibilidade e na quantidade de textos relacionados aos Estudos Subalternos, a comunidade de autores que deram origem a esse campo de pesquisa segue sendo a fonte principal do movimento. Esse grupo, distinto em opiniões e linhas de investigação, é formado por pensadores como Ranajit Guha e Gayatry Chakravorty Spivak, que caracterizam o ser subalterno a partir de diferentes perspectivas, enfocando na marginalização de pessoas colonizadas que são propositalmente silenciadas e sub-representadas. Nesse sentido, a condição de subalterno pode ser atribuída a diferentes grupos minoritários, que se encontram subordinados às narrativas daqueles que detém o poder hegemônico da fala e os instrumentos necessários para a propagação de suas versões. 

Centrados na realidade indiana, os estudos subalternos se iniciam com o objetivo de (re)contar a história da colonização e descolonização da Índia através de narrativas provenientes das massas. Buscam expor, revisar, repensar e complementar os fatos históricos sob outro olhar que foge da visão que se estabeleceu como a oficial para o senso comum, sendo esta a versão dos colonizadores e da elite indiana. Nesse contexto, as massas indianas participaram ativamente do processo de resistência e descolonização, porém não tinham até então espaço para propagar suas versões, histórias e experiências, pois esse era um campo completamente tomado pelas narrativas e pontos de vistas elitistas e coloniais.

Discute-se, portanto, a partir da Índia como tema central, o lugar do subalterno dentro do sistema no qual ele está submetido, perpassando questões como poder, dominação, colonialismo,  racismo e capitalismo, e denunciando o silenciamento como ferramenta colonial que impede a propagação de narrativas que não sigam a lógica imperialista. 

Atualmente, existem centenas de textos produzidos por autores marginalizados que são classificados como pesquisadores de Estudos Subalternos. Textos estes que muitas vezes possuem ideias contrárias, questionam e criticam as interpretações e definições de subalternidade, e colocam em cheque o que significa ser e estar na posição de pessoa subalterna. Que tal nos aprofundarmos um pouco mais nas discussões que se dão dentro dessa área de conhecimento não-hegemônico? 

Principais discussões

Categoria de subalternidade

O significado de subalternidade assume diferentes formas ao longo dos Estudos Subalternos, sobretudo ao considerar que sua construção perpassa por diferentes contextualizações, nas quais estão inseridos os autores que compõem a coleção de ensaios que deram corpo aos estudos da subalternidade. Anterior à noção construída pelos Estudos Subalternos, o termo remonta ao pensamento de Antonio Gramsci, filósofo italiano preso pelo regime fascista da Itália na década de 1920. Ao longo de sua obra, sobretudo a construída no cárcere – Cadernos do Cárcere -, ele utilizou a categoria de subalternidade para analisar a sociedade italiana e as formas de subordinação política e social, o que ampliou o conceito de classe, dando continuidade à crítica de Marx, com ênfase na condenação da exploração e na estimulação da organização de lutas por emancipação. Gramsci analisa o sistema estruturado a partir da hierarquização entre poder central e periferia, a partir da situação italiana de subjugação do Sul da Itália à burguesia do Norte, estendendo sua análise para as periferias do sistema internacional. Nesse sentido,

A subalternidade era uma dimensão a mais que permitia entrecruzar as diversas formas de sujeição de trabalhadoras e trabalhadores em sentido amplo. Abria-se a perspectiva de compreender a opressão de gênero, étnica, regional, linguística e outras tantas sem esquecer a de classe, reconfigurando-a (SECCO, 2018, p. 318).

Ainda considerando o pensamento gramsciano, vale notar que os grupos subalternos são heterogêneos, fragmentados e espontâneos e requerem organização permanente para alcançar autonomia. Por sua vez, a classe dominante tende a marginalizar e impedir a centralização desses grupos, a fim de reafirmar sua subordinação. Para o filósofo, a superação da condição subalterna passa indispensavelmente pela “direção consciente” da espontaneidade dos grupos subalternos, que seria capaz de garantir autonomia permanente em confrontação à dominação. Assim, a autonomia depende da “unificação consciente” da luta no âmbito social (SECCO, 2018).

Partindo da leitura do professor de Economia Política e Globalização da Universidade de Nova York, David Ludden, em “Reading Subaltern Studies – Critical History, Contested Meaning and the Globalization of South Asia”, é possível compreender a dinâmica nas significações do termo dentro do campo dos Estudos Subalternos, que vão desde as lutas travadas na Índia colonial pelas insurgências camponesas, que caracterizavam as “classes subalternas” na época, até as discussões posteriores, estruturadas para questionar as construções coloniais de poder.

Tais construções mantêm as hierarquizações basilares do sistema capitalista que, por sua vez, se expande globalmente. Dessa forma, o campo da subalternidade foi expandido para o estudo transnacional do colonialismo, como demonstra Ludden (2002, p. 19, tradução nossa), “[o] significado de subalternidade nos Estudos Subalternos mudou à medida que a estrutura de estudo enfatizava cada vez mais o choque de culturas desiguais sob o colonialismo e o domínio da modernidade colonial sobre a cultura resistente e indígena da Índia”. Nesse sentido, o termo é entendido como fluido pelo autor, que indica que diferenças contextuais influenciam diretamente sobre as leituras de subalternidade. Para ele, “as leituras da história indiana contidas nos Estudos Subalternos são refletidas de forma variada pelos contextos nacionais no mundo da globalização” (Ludden, 2002, p. 4). Ludden demonstra como os Estudos Subalternos influenciaram outros estudos para além do contexto indiano, como o historiador Frederick Cooper, que utilizou os Estudos Subalternos como um condutor para discutir as características específicas da história construída sobre África; e a historiadora Florencia Mallon, que fez o mesmo em relação à América Latina. “Assim, os contextos acadêmicos para a leitura global estavam se tornando mais diversificados; e as leituras, mais desvinculadas da história do projeto. A subalternidade estava se tornando multicultural” (Ludden, 2002, p. 24, tradução nossa).

Segundo Ludden (2002, p. 3), nunca houve coesão intelectual como prioridade do Grupo de Estudos Subalternos. Na década de 1970, a tendência ascendente concentrava-se na pesquisa sobre a insurgência popular que incluía uma série de trabalhos sobre rebeldes, revoltas, imperialismo e revolução no sul asiático com destaque para as lutas camponesas na Índia já que “uma grande transição na cultura política estava em curso, o que implicava novas interpretações do passado nacional, não apenas na Índia” (Ludden, 2002, p. 7, tradução nossa). Naquele momento, a expansão internacional dos estudos históricos fundamentada pela ruptura dos Estudos Subalternos reinventou a subalternidade e conferiu outras significações a termos antigos. “Dominação, subordinação, hegemonia, resistência, revolta e outros conceitos antigos podiam agora ser subalternizados” (Ludden, 2002, p. 16, tradução nossa).

Desafio à historiografia predominante na Índia

A questão historiográfica levantada por Ranajit Guha trata-se da crítica à história indiana construída pelas elites nacionais e coloniais, ao passo que a agência do ser subalterno foi subestimada pela construção da narrativa histórica dominante sobre a Índia. Nesse sentido, o historiador trabalhou ao longo de sua obra para reapropriar a história indiana da perspectiva subalterna, das massas que têm contribuição direta na história de emancipação indiana, de forma que o povo indiano fosse não mais definido e representado enquanto objeto, mas como sujeito de sua própria história. Pela perspectiva de Gayatri Spivak (1988, p. 4), trata-se de um movimento de desconstrução da historiografia construída pela elite indiana e por historiadores coloniais para dar lugar à historiografia construída a partir da experiência popular.

Nesse sentido, Estudos Subalternos anunciam uma ruptura com a forma que se pensava o traçar da H(h)istória e buscam evidenciar a herança colonial e os padrões de poder construídos a partir da dominação e vão além disso, ao observar como a dominação estende-se na forma de influência cultural e intelectual. Nessa perspectiva, os estudiosos do grupo demonstram a formação do Estado e da Nação como uma estruturação excludente, que privilegia a perspectiva das elites nacionais e coloniais em detrimento dos saberes e experiências nativos que têm contribuição direta na constituição social indiana. Assim, uma nova perspectiva epistemológica, baseada na experiência subalterna em todas as suas nuances, busca notabilizar que a forma de representação do povo indiano desde uma visão eurocêntrica é parte constitutiva do sistema de dominação colonial e configura um cenário de violência epistêmica.

Os Estudos Subalternos se propõem a questionar a estrutura de poder colonial, concentrando esforços para desconstruir a hegemonia ocidental na historiografia. Assim, busca evidenciar a agência dos grupos historicamente marginalizados e silenciados por esta estrutura, ao dar centralidade à perspectiva subalterna para a (re)construção da história. O conceito de subalternidade, para além de identificar desigualdades sociais, carrega o desafio de não só colocar-se em oposição à historiografia ocidental, mas também de evidenciar a “condição de silêncio” (SPIVAK, 1988) e a sub representação do subalterno, não identificado como sujeito pelas elites. O termo “subalterno”, utilizado para evidenciar o silenciamento de grupos marginalizados na história, constitui uma crítica direta à classificação e hierarquização social.

A estrutura de dominação capitalista e imperialista é transnacional e, nesse sentido, a contribuição do pensamento que se constrói com os esforços reunidos na constituição dos Estudo Subalternos serve como combustível para a organização de movimentos críticos e contra hegemônicos em regiões que também ocupam uma posição subalternizada no sistema internacional. Um exemplo é a fundação do Grupo Latino-Americano dos Estudos Subalternos em 1993, que foi inspirado principalmente no Grupo Sul-Asiático dos Estudos Subalternos e inseriu a América Latina no debate pós-colonial (BALLESTRIN, 2013, p. 94). Nesse sentido, os interesses subalternos transnacionais convergem ao posicionar um discurso contra hegemônico, anti-imperialista e anti-colonial, embora partam de contextualizações diferentes.

Discussões sobre resistência

As discussões sobre resistência ultrapassam as fronteiras dos Estudos Subalternos, configurando um tema amplamente discutido no campo das Ciências Sociais. Aqui, vamos nos concentrar nas formas de resistência partindo da perspectiva subalterna. Com base na leitura desenvolvida até aqui, pode-se caracterizar o coletivo Subaltern Studies como um movimento que nasce e se estrutura a partir da resistência à elite dominante, ao empenhar os esforços de um amplo grupo de pensadores para (re)escrever a história indiana a partir da perspectiva subalterna, priorizando movimentos sociais e lutas que foram propositalmente apagados pela historiografia construída por lentes e interesses ocidentais e exploratórios.

Seguindo a discussão de David Ludden (2002), Sumit Sarkar (1989) em “Modern India 1885-1947” confere aos movimentos de trabalhadores e camponeses “autonomia e espaço político, mais do que qualquer texto histórico jamais havia feito antes” (Ludden, 2002, p. 10). “Aspectos elementares da insurgência camponesa” de Ranajit Guha (1999) retrata sua análise de uma série de revoltas camponesas, separadas do nacionalismo indiano e construídas em um espaço de resistência subalterna. Dessa forma, tornava-se gradualmente evidente a crescente brecha entre a história popular e a história nacional, construída pelas elites (Ludden, 2002, p. 10).

A estrutura econômica e social imposta à sociedade indiana, continuada por meio do controle do conhecimento produzido sobre Índia e da estrutura institucional do país, servia como forma de perpetuar a exploração imperialista. Nesse sentido, a contestação historiográfica produzida pelos Estudos Subalternos se caracteriza como forma de resistência direta à estrutura de poder colonial uma vez que confronta diretamente a instituição das violências do império britânico. Para Guha (2002, p. 2, tradução nossa): “um chamado para expropriar os expropriadores, é radical precisamente no sentido de ir à raiz da questão e perguntar o que pode estar envolvido em uma historiografia que é claramente um ato de expropriação”.

A questão da resistência popular ao poder estatal se tornou um tema acadêmico de relevância crescente a partir da década de 1980, que demarcou o afastamento dos estudos da revolução para a análise da “resistência localizada e pessoal ao poder das elites e dos estados”. Na década seguinte, “estudiosos de dentro e fora dos Estudos Subalternos identificaram a resistência cotidiana como uma característica básica da vida no Sul da Ásia” (Ludden, 2002, p. 11).

Para além da influência regional, Ludden mostra como os Estudos Subalternos constituíram amplitude ao expandir o campo da subalternidade para o estudo transnacional do colonialismo a partir da década de 1990. Acentuando as nuances do processo, o autor demonstra como o campo rejeitou o nacionalismo indiano constituído pela pelas elites coloniais e se desenvolveu, a partir das margens, até obter aspecto transnacional, construindo novas interpretações sobre nacionalismo, sobretudo após a reinvenção das nações a partir do conceito de comunidades imaginadas de Benedict Anderson (2008 [1983]). Esse processo se desenvolveu, principalmente, conforme a substância dos Estudos Subalternos passou das lutas camponesas na Índia colonial para a observação transnacional das construções colonialistas de cultura e poder. Nesse sentido, Ludden (2002, p. 19) assinala que as classes subalternas, especificamente camponesas, deram lugar, na prática, à textualidade do colonialismo e da resistência.

Assim como já mencionado, os Estudos Subalternos enquanto categoria teórico-política surgiram ao final da década de 1970, levando à criação da proposta de lançamento da revista Subaltern Studies. Segundo Ludden (2002), o sucesso da revista e dos debates teóricos abordados concedeu à Ranajit Guha (seu principal editor) e à Gayatri Spivak importante prestígio internacional. Considera-se válido mencionar que, para além disso, os Estudos Subalternos acabaram concedendo certa eflorescência no campo acadêmico ao redor do globo, funcionando como uma espécie de “arma, ímã, alvo, pára-raios, poste de amarração, ícone, mina de ouro e fortaleza para os estudiosos que abrangem disciplinas da História à Ciência Política, antropologia, sociologia, crítica literária e estudos culturais” (Ludden, 2002, p. 2, tradução nossa).  

Entretanto, a significância que hoje concebemos ao termo Estudos Subalternos não é mais a mesma que significava nos anos 1982, 1985, 1989 ou 1993, uma vez que cada um acaba interpretando a subalternidade contextualmente. Assim como abordado por Ludden (2002), os ambientes intelectuais mudam ao longo dos anos e consequentemente se dificulta medir “causa e efeito” em atos particulares tanto de escrita, quanto de leitura. De acordo com essa perspectiva, é possível perceber que as mudanças ocorridas dentro e fora do projeto Estudos Subalternos acabam reinventando o sujeito subalterno de forma díspar, tornando o tema da subalternidade um enfoque distante de uma certa coesão intelectual.

Dessa forma, para compreender as origens e os efeitos provocados pelos Estudos Subalternos no campo acadêmico, é substancial que conheçamos um pouco mais acerca dos principais autores responsáveis historicamente pela criação e desenvolvimento do projeto. O Debates busca gerar um melhor entendimento sobre suas pesquisas e insurgências que compunham as diversas áreas de estudo que levaram à criação de termos, métodos e fragmentos de teorias incorporados aos Estudos Subalternos. Parte-se do pressuposto de que, assim como mencionado por Larissa Pelúcio (2012, p.399), falar de saberes subalternos não é fadado a apenas dar voz àquelas e aqueles que foram por tanto tempo privados de voz, mas sim, “é participar do esforço para prover outra gramática, outra epistemologia, outras referências que não aquelas que aprendemos a ver como as ‘verdadeiras’ e, até mesmo, as únicas dignas de serem aprendidas e respeitadas”.

Confira abaixo uma pequena biografia e alguns pontos de destaque das obras desses autores: 

Principais Autores

Nascido no dia 23 de maio de 1923 na cidade de Siddha Kati, Barisal, Ranajit Guha é tido como um dos historiadores mais conhecidos e inovadores provenientes da Índia Moderna (Kaiwar, 2018). Guha migrou da Índia para o Reino Unido em 1959, passando a trabalhar ativamente na Universidade de Sussex. Vale mencionar que a maior parte de sua obra mais conhecida foi publicada entre os anos 1981 a 2002. Dentre suas obras mais comentadas internacionalmente, destaca-se o livro “Aspectos Elementares da Insurgência Camponesa na Índia Colonial”, considerado um clássico por abordar questões historiográficas que, de acordo com o autor, são a apropriação colonial do passado indiano. Dentre as diversas questões abordadas por Guha, a declaração de fundação no primeiro volume dos Estudos Subalternos acabou estabelecendo a agenda para o restante do grupo, definindo como “subalterno” toda a diferença demográfica entre a população total indiana e todos aqueles que descrevemos como a elite (Guha, 1982, tradução nossa), incluindo camponeses, trabalhadores, latifundiários empobrecidos, e outros cujo comportamento exibia uma certa combinação de desafio e deferência à elite.

No entanto, ainda que diversos textos apontem Ranajit Guha como o principal “fundador” da categoria de Estudos Subalternos (Chakrabarty, 2008; Ciota, 2010), “é preciso reconhecer que as preocupações que mobilizaram o grupo de intelectuais indianos do qual Guha fazia parte, também ocupavam as discussões de intelectuais em outras periferias do planeta” (Pelúcio, 2012, p. 400), ocorrendo concomitantemente. Para tanto, pode-se inferir que a riqueza eclética atribuída ao conceito de subalterno desenvolvido por Guha consta nos desdobramentos em várias formas ao abordar sobre castas, classe, gênero, raça, entre outros, o que talvez tenha inspirado a ampla difusão do conceito ao repensar a história da consciência e da mobilização popular para campos como a história asiática, africana e latino-americana, assim como abordado por Vasant Kaiwar (2018) em sua obra “Ranajit Guha’s Historiography of Colonial India”.

Gayatri Chakravorty Spivak, nascida na cidade de Calcutá no dia 24 de fevereiro de 1942, é uma teórica e crítica indiana renomada mundialmente pelo seu artigo “Can the Subaltern Speak?”, considerado um texto embrião para a abordagem pós-colonial e decolonial. Além do mais, Spivak é amplamente conhecida pelas traduções dos textos de Jacques Derrida, sendo a mais difundida a da obra “Of Grammatology”, no qual a autora realiza uma introdução crítica ao texto do filósofo franco-magrebino. 

Graduada em Inglês pela Universidade de Calcutá e com mestrado e doutorado pela Universidade de Cornell nos Estados Unidos, a autora soma seu nome à lista de pesquisadores que contribuem (ou contribuíram) ativamente para a formação do campo de estudos denominado Estudos Subalternos. Criticamente inspirada por Foucault e pela forte influência de Derrida, “Spivak aponta a ‘violência epistêmica’ que a ciência, aquela mesma que Foucault critica, submeteu os saberes gestados fora de seus cânones e, assim, os sujeitos produtores desses saberes” (Pelúcio, 2012, p. 402).

Spivak mostra a partir de suas produções que é ilusória a referência a um sujeito subalterno que pudesse falar, já que é possível constatar, partindo do exemplo indiano, que existe uma “heterogeneidade de subalternos, os quais são possuidores de uma consciência autêntica pré- ou pós-colonial, tratando-se de ‘subjetividades precárias’ construídas no marco da ‘violência epistêmica’ colonial” (Costa, 2006, p.120). Para ela, a violência tem um sentido correlato ao desclassificar os conhecimentos e as formas de apreensão do mundo colonizado, roubando-lhe toda e qualquer possibilidade de enunciação. 

Entre as camadas subalternas elencadas por Spivak, as mulheres subalternas são a categoria que permanece ainda mais desprovida de uma gramática própria para construir suas falas, já que, tanto a teoria pós-colonial como a teoria feminista se caracterizam a partir de uma “epistemologia da alteridade” (Adelman, 2009, p. 198), procurando evidenciar nas construções teóricas quais os saberes disciplinares que atuaram como essencializadores e reducionistas ao longo dos anos.

Nascido em 15 de dezembro de 1948 na cidade de Calcutá, na Índia, Dipesh Chakrabarty é um historiador indiano conhecido pelas suas contribuições à área das Ciências Humanas e Sociais, principalmente no que tange aos Estudos Pós-Coloniais e Estudos Subalternos. Na atualidade, Chakrabarty é professor do campo de História no Lawrence A. Kimpton Distinguished Service. 

Dentre as maiores contribuições do autor para os Estudos Subalternos, encontram-se os livros “Repensando a História da classe trabalhadora” (1989) e “Provincializando a Europa” (2000), os quais partem da perspectiva de que os ideais promovidos pelos europeus, alegados constantemente como universais, em sua realidade pertencem a um contexto específico, sendo conceitualmente e empiricamente limitados. Além disso, o autor também trabalha criticamente com os princípios universalizantes de historicismo, razão e a ideia de humano que os pensadores europeus exportaram para ao redor do continente a partir da colonização e do imperialismo. 

Para Chakrabarty, ao analisar os povos colonizados, deveríamos nos distanciar da concepção de um tempo secular histórico e da concepção de modernidade que totaliza as experiências de todos os povos em um só povo, o europeu. Para isso, o pensador colocou em foco as manifestações culturais e religiosas autônomas do povo indiano, analisando-as em seu cotidiano e como parte essencial de sua historicidade (Bentivoglio; Cunha, 2019, p. 244).

De acordo com os pesquisadores Júlio Bentivoglio e Marcelo Durão Rodrigues da Cunha (2019), a subalternidade presente nas obras de Chakrabarty diz respeito à subordinação teórica dos povos colonizados em relação ao povo europeu, como os últimos sentem-se à vontade para universalizar termos sem verificar as experiências individuais dos povos colonizados, na medida em que os não-ocidentais continuam a se utilizar de seus conceitos e ideias de forma ativa.

Partha Chatterjee, nascido no ano de 1947 em Calcutá, na Índia, é um cientista social, considerado também membro-fundador do projeto Estudos Subalternos. Suas obras permeiam entre os campos da ciência política, da antropologia e da História em um formato interdisciplinar, carregando abordagens que acabam sendo caras a todo o corpo de estudo das Ciências Humanas e Sociais. O autor, dentre suas particularidades, possui o questionamento permanente em relação às bases eurocêntricas do estudo e do ensino e ao saber embasado em premissas essencialmente ocidentais.

Dentre as atividades acadêmicas realizadas por Chatterjee, cabe mencionar que o autor estudou Ciência Política na Presidency College de Calcutá e realizou mestrado na Universidade de Rochester. Há alguns anos ocupou o cargo de professor da área de Ciência Política do Centro de Estudos em Ciências Sociais de Calcutá, já tendo sido diretor do instituto. Atualmente, é professor de Antropologia na Universidade de Columbia, em Nova York, também ministrando classes nas Universidade de Calcutá e Universidade de Jadavpur. 

Entre as principais contribuições do autor, encontra-se a problematização dos conceitos de “nação/nacionalismo” e “tempo histórico”, abordados por Chatterjee em sua obra denominada “The Nation and Its Fragments: colonial and postcolonial histories” (1993). A partir das experiências coloniais dos continentes africanos e asiáticos, Chatterjee aponta e denuncia que as formas únicas de experiência nacional nesses locais acabaram sendo forjadas na experiência colonial e pós-colonial, importando uma certa “experiência modelar” de nacionalismo advinda da América do Norte e da Europa.

Para este texto, utilizamos as seguintes referências:

ANDERSON, Benedict, R. Comunidades imaginadas:  reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras. 2008.

ADELMAN, Miriam. A Voz e a Escuta – encontros e desencontros entre a teoria feminista e a sociologia contemporânea. Florianópolis: Blucher Acadêmico. 2009.

BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 11, p. 89–117, 2013. 

BANERJEE, Melinda. In Search of Transcendence: An Interview with Ranajit Guha. University of Heidelberg, 2010. Disponível em: <https://www.sai.uni-heidelberg.de/history/download/ranajit_guha_interview_2.2.11.pdf> Acesso em: 14 mar. 2023.

BENTIVOGLIO, Julio; CUNHA, Marcelo Durão Rodrigues da. Dispesh Chakrabarty: subalternidade e deseuropeização da História. In: Bentivoglio, Julio; Avelar, Alexandre de Sá. O futuro da História: da crise à reconstrução de teorias e abordagens. Vitória: Milfontes. 2019. p. 241-260.

COSTA, Sérgio. Desprovincializando a Sociologia: A contribuição pós-colonial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 60, p. 117–134, 2006. 

FIGUEIREDO, C. Estudos Subalternos: uma Introdução. Raído, v. 4, n. 7, p. 83-92, 2010.

GUHA, Ranajit. History at the limit of World-History. New York, Columbia University Press, 2002, p. 1-23.

GUHA, Ranajit. On Some Aspects of the Historiography of Colonial India. In: GUHA, Ranajit; SPIVAK, Gayatri. Selected Subaltern Studies, Oxford University Press, 1988. p. 37-44.

KAIWAR, Vasant. Ranajit Guha’s Historiography of Colonial India. Communication, 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190228613.013.770> Acesso em: 14 mar. 2023.

LUDDEN, David. Reading Subaltern Studies: Critical History, Contested Meaning and the Globalization of South Asia. Londres: Anthem Press, 2002.

PELÚCIO, Larissa. Subalterno quem, cara pálida? Apontamentos às margens sobre pós-colonialismos, feminismos e estudos queer. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, v. 2, n. 2, jul-dez 2012, p. 395-418.

SPIVAK, Gayatri. Subaltern Studies: Deconstructing Historiography. In: GUHA, Ranajit; SPIVAK, Gayatri. Selected Subaltern Studies, Oxford University Press, 1988. p. 3-32.

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