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DESCOBRIMENTO OU INVASÃO?

A América não foi descoberta

A história transmitida através do olhar eurocêntrico marca a data de 12 de outubro de 1492 como o dia em que Cristóvão Colombo pisou pela primeira vez na América. E intencionalmente, faz questão de atribuir à essa data o “descobrimento” da América. Mas o que está por trás da escolha desse termo e, mais profundamente, por trás das histórias de honra e glória do homem europeu ao se deparar com as terras do continente americano? Quem pagou a conta?

A perspectiva decolonial tem como principal objetivo questionar e denunciar a face obscura da modernidade, esse conceito relacionado à evolução e ao progresso, transmitido como a grande chance de transformação e desenvolvimento das populações nativas, consideradas primitivas e, consequentemente, inferiores pelos europeus. Mas, a verdade é que a modernidade está diretamente relacionada à colonialidade – a grande influência para o desenvolvimento da concepção que divide o mundo entre países centrais e periféricos, cercados por todos os lados pela desigualdade social, que tem raízes antigas, profundas e extremamente violentas.

A perspectiva decolonial tem como principal objetivo questionar e denunciar a face obscura da modernidade, esse conceito relacionado à evolução e ao progresso, transmitido como a grande chance de transformação e desenvolvimento das populações nativas, consideradas primitivas e, consequentemente, inferiores pelos europeus. Mas, a verdade é que a modernidade está diretamente relacionada à colonialidade – a grande influência para o desenvolvimento da concepção que divide o mundo entre países centrais e periféricos, cercados por todos os lados pela desigualdade social, que tem raízes antigas, profundas e extremamente violentas.

O poder dos países hoje considerados centrais não surgiu do nada

A concepção que divide os países entre centrais e periféricos parte de uma hierarquia violentamente imposta, em que a centralidade é assumida porque, durante séculos na história, os países hoje considerados centrais foram responsáveis por brutais processos de invasão e colonização. Consequentemente, nosso papel enquanto sociedade latino-americana, ex colônias de países europeus, num dia como esse, que celebra o falso “descobrimento” das Américas, é nos desvencilhar da forma como esses acontecimentos são observados e transmitidos pelo olhar eurocêntrico e construir conclusões próprias sobre as consequências que marcam profundamente nossa sociedade em decorrência dos processos de colonização. 

Sob o olhar dos povos nativos, a chegada dos europeus às Américas está diretamente relacionada à tragédia, pois a colonização dessas terras causou o maior genocídio da história da humanidade, contabilizando 70 milhões de vidas assassinadas entre os povos originários  nas Américas entre 1492 e 1900. E ainda hoje, em 2020, com a elaboração de direitos humanos que teoricamente são universais, populações nativas continuam a ser dizimadas, subjugadas e assassinadas. Somando mais de 500 anos de resistência, sobrevivência e luta pelo direito à vida.

O reconhecimento da diversidade social e o respeito à cultura das populações originárias deve atravessar o conhecimento do que é a sua história, incluída sua resistência, apesar da exploração que ocorreu desde que os europeus invadiram as terras que chamaram de Novo Mundo.  Na realidade, trata-se de um mundo antigo, habitado há milhares de anos por diversos povos com naturezas, crenças, costumes e idiomas diferentes. Poucas pessoas tem contato com a história contada sob a perspectiva desses povos, inclusive os próprios latino-americanos são diretamente influenciados pelo saber construído a partir do olhar europeu sobre a história, o olhar que interpreta a invasão às Américas como descobrimento, o olhar que escolheu entender -e transmitir- que essa chegada teve como consequências o desenvolvimento, a evolução e a modernização, que esse processo traria a verdadeira civilização às terras latino-americanas.

Portanto, a proposta para esse dia que marca o início da colonização nas Américas é ressignificar o que entendemos sobre esse processo, a partir da observação dos acontecimentos sob uma perspectiva crítica e decolonial. Isso significa destrinchar os aspectos dessa história que não são levantados nos debates eurocêntricos. O lado obscuro da modernidade. A colonialidade. Que se perpetua nos dias de hoje de forma velada mas não menos violenta. A colonialidade do poder, do saber e do ser. O que por sua vez significa que ainda somos vítimas da dominação colonial em diversos aspectos das nossas vidas e que se engana quem pensa que o colonialismo findou na história e não existe mais. 

É mais complexo do que parece, se pensarmos que os países colonizadores retiraram seus exércitos, mas nunca sua influência nos territórios que ocuparam. Até hoje, a história ensina, tanto no continente europeu, quanto na própria América, que o processo de colonização -responsável pela morte milhões de vidas nativas- foi uma espécie de salvação dos corpos que aqui viviam, considerados pelos colonizadores como bárbaros, primitivos, inferiores e incapazes.

A essa altura fica nítido quem pagou a conta e sofreu com todas as desvantagens de estar sob o domínio colonial. A América não foi descoberta ou conquistada, foi invadida, explorada, saqueada. A modernidade que conhecemos hoje, o sistema capitalista e tudo que nele está inserido, só existe em decorrência dos processos de colonização que perduraram por séculos, dizimando, escravizando, explorando e saqueando populações -muitas delas com o passar dos séculos foram extintas- além de continuar, ainda hoje, a exercer influência e poder nas variadas formas de colonialidade.

Assim, se faz necessário ter a percepção de que as consequências da dominação permanecem intrínsecas na sociedade e de que precisamos reescrever a história sob o ponto de vista latino-americano, o ponto de vista de quem foi colonizado, para entender o real interesse por trás de datas comemorativas como essa, com a pretensão de nos faz aprender desde sempre que os povos que aqui viviam foram salvos. Não foram. E é preciso falar do sangue que a colonização derramou. 

Monik Klein

Monik Klein

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Debates Pós-Coloniais e Decoloniais

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