GLOSSÁRIO DE(S)COLONIAL
AFASIA COLONIAL
Cunhado por Ann Laura Stoler, o conceito corresponde à dificuldade dos europeus em responder diretamente ao que está evidentemente presente, isto é, as inegáveis violências (re)produzidas no contexto da colonização. Stoler cria o conceito para refletir sobre as obras de arte africanas que estão em museus europeus.
ANTI-IMIGRANTISMO
Conceito criado pela cientista política Roxane Doty, que define a prática política anti-imigração de Estados ocidentais reproduzida contra imigrantes de países do Sul Global, representados como ameaças à identidade, segurança e unidade nacional. Doty afirma que a prática anti-imigrante é uma política feita com base na diferença racial, representando uma forma de identificar o racismo contemporâneo traduzido pela prática de violência contra imigrantes categorizados por critérios raciais.
APOROFOBIA
Aversão, rejeição ou discriminação à pobreza ou aos pobres. Hostilidade para com os desfavorecidos. Pode ser vista na arquitetura e planejamento urbano das cidades, revolta à doações e políticas públicas direcionadas aos economicamente vulneráveis.
CANIBAL
Termo cunhado no (des)encontro colonial por “exploradores” europeus para se referir a povos que consumiam carne humana para desqualificá-los frente à suposta superioridade europeia. Apesar de uma relação etimológica com a palavra “Caribe”, a antropofagia era praticada em diferentes contextos ao redor do mundo, inclusive na Europa.
COLONIALIDADE DE GÊNERO
Desenvolvido pela pensadora decolonial e feminista María Lugones a partir dos conceitos da colonialidade do poder, do ser e do saber. Segundo Lugones, o ‘gênero’, para além de uma perspectiva binária e excludente, é uma categoria construída pela sociedade moderna/colonial com base em diferenças biologizantes. Tal categorização foi imposta pelo colonialismo – e reiterada pela colonialidade – nos territórios invadidos para hierarquizar posições e colocar mulheres em posição de inferioridade na lógica binária ocidental de gênero.
COLONIALIDADE DO PODER
Criado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano, descreve a persistência de estruturas de poder coloniais que se baseiam na negação da história e do pensamento do “Outro” e na manutenção de hierarquias de dominação, mesmo após a independência política de uma nação.
COLONIALIDADE TERRITORIAL
Criado pelo sociólogo cubano Yasser Farrés Delgado, esse conceito chama atenção para a reprodução da hegemonia ocidental na concepção e divisão de espaços a partir de modelos arquitetônicos e urbanos globalizados.
COLONIALISMO
Sistema em que uma nação ou grupo de nações domina e controla territórios estrangeiros para explorar recursos humanos e não humanos e exercer autoridade política, econômica e cultural sobre as populações locais.
CONTRACOLONIALISMO
Proposto pelo escritor quilombola Antonio Bispo dos Santos, é definido como um termo afro-pindorâmico, ou seja, une pontos em comum entre pensamentos e culturas dos povos originários e povos africanos. O termo infere que não há como decolonializar quem não foi efetivamente colonizado, uma vez que os povos originários e quilombolas sequer foram incluídos na sociedade colonizada.
DECOLONIALIDADE
Proposta teórica da América Latina para a América Latina, que critica o eurocentrismo do debate pós-colonial e busca se libertar das atuais dominações coloniais. Denuncia que a colonialidade é a outra face da modernidade, que opera às escuras e permite a manutenção do padrão mundial de poder.
DIÁSPORA
Populações migrantes dispersas, voluntária ou forçadamente em dois ou mais territórios nos quais desenvolvem ligações múltiplas entre o seu local de origem e o local de chegada por meio das memórias e das circunstâncias históricas que os seus membros vivenciaram.
EPISTEMICÍDIO
Aniquilamento da sabedoria de grupos não-ocidentais. Projeto político que busca a destruição de conhecimentos, vivências, saberes e culturas de povos subjugados com a imposição do embranquecimento cultural.
FEMINISMO DECOLONIAL
Corrente de pensamento que busca relacionar questões de gênero, sexualidade e raça, a partir de um olhar do Sul Global. Enxerga-se que a colonialidade do poder opera dentro de um sistema moderno colonial pautado por hierarquias de gênero.
FUTURISMO INDÍGENA
Esta vertente busca honrar o passado, viver o presente e pensar possibilidades de futuro a partir de cosmovisões indígenas. São considerados os valores e o conhecimento de povos originários para reestruturar uma visão de futuro diferente da violenta Modernidade/Colonialidade do homem branco europeu.
HISTORICISMO SUBALTERNO
Vertente filosófica cunhada por autores de Estudos Subalternos em contrapartida ao historicismo clássico. Propõe-se a questionar a lógica de que o capitalismo resulta em relações burguesas de poder hegemônicas globais sem levar em conta diferenças culturais e linguísticas.
IMPERIALISMO
Conjunto de políticas autoritárias e expansionistas que visa a dominação territorial, cultural, política e econômica de um império sobre outros territórios. Inerente ao sistema capitalista, utiliza o colonialismo como uma das ferramentas para a exploração dos povos subjugados.
NECROPOLÍTICA
Cunhado por Achille Mbembe, o termo denuncia o valor diferenciado das vidas “Outras” em um sistema capitalista. Trata-se de uma política sobretudo da morte, isto é, de fazer morrer e deixar viver, compreendida a partir de uma reflexão pós-colonial sobre o conceito de biopolítica de Michel Foucault.
NEOCOLONIALISMO
Variante do colonialismo que surge após os processos de independência das ex-colônias, visando impedir a total decolonização das mesmas. Nesta prática, o controle não se dá exclusivamente pelo uso da força, funcionando, na maioria das vezes, através da influência/coerção cultural, política e econômica.
NACIONLAISMO ANTI-COLONIAL
Movimento de disputa por soberania dentro de uma sociedade colonial que antecede a tomada do poder político. Tem como base a defesa dos elementos essenciais da identidade cultural dos colonizados e a criação de uma cultura nacional moderna, mas não ocidental, ou seja, sem pretensões universalistas.
ORIENTALISMO
Ressignificado por Edward Said, esse termo denuncia o projeto de dominação do Ocidente sobre o Oriente pela (re)produção de discursos racistas sobre povos orientais. Classificados como “exóticos” e “perigosos”, esses imaginários orientalistas retiram a agência desses povos para falar sobre si mesmos.
PITORESCO
Adjetivo ressignificado a partir de pinturas e relatos de viajantes que busca caracterizar os espaços coloniais como exóticos, em que a paisagem é descrita como visualmente agradável e a população como serena e mansa. A estética a serviço da violência colonial.
PÓS-COLONIALISMO
Vertente teórica que busca chamar atenção para a permanência das relações de poder coloniais mesmo após a independência de países colonizados.
PROVINCIALIZAR A EUROPA
Conceito criado por Dipesh Chakrabarty para apontar como ideias guiadas por uma lógica situada e particular, a europeia, tornaram-se universais, embora tenham saído de um espaço e tempo específicos, influenciadas por tradições históricas e intelectuais.
SETTLER COLONIALISM
Conceito explorado por autores como Wolfe, Veracini e Mamdani. Projeto colonial centrado na permanência na terra nativa e na “indigenização” dos colonos, caracterizado pela sua continuidade, estrutura racista e caráter eliminatório do nativo.
SISTEMA-MUNDO
Conceito pós-marxista que entende o sistema internacional a partir da segregação do mundo entre países centrais e países periféricos. Essa separação se reflete na divisão internacional do trabalho que aprofunda as desigualdades entre eles e reforça o domínio dos países centrais.
SUL GLOBAL
Referência aos países que estão localizados na periferia do sistema internacional, em oposição aos países centrais. Projeto político que reivindica uma comunidade internacional livre dos legados do colonialismo, um mundo mais justo e igualitário em que impere a solidariedade internacional.
Uma versão atualizada e expandida deste post está publicada na Revista 9ª Arte com o mesmo título. Clique aqui para visualizar o artigo.