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DIA DO PATRIMONIO HISTÓRICO

Os últimos meses foram marcados por diversos protestos contra o racismo ao redor do mundo, tendo como estopim o assassinato de George Floyd por um policial branco nos Estados Unidos. As manifestações se iniciaram reivindicando justiça pela constante violência policial e pelo fim do racismo estrutural, mas foram marcadas também pela derrubada de estátuas e monumentos de personagens históricos ligados ao passado colonialista de diversos países, principalmente na Europa. No Dia Nacional do Patrimônio Histórico deveríamos nos perguntar: que personagens são valorizados em detrimento de outros no Brasil? Como isso molda nossa identidade nacional?

Uma premissa bastante comum nos estudos sobre memória é que certos eventos marcantes como genocídio, guerra, terrorismo, transições de regime radicais, lutas civis e identitárias geram desafios sérios e muitas vezes catastróficos para entendimento coletivo de uma nação sobre sua “memória” de tais acontecimentos traumáticos. Assim, cada nação enfrenta a decisão política de como lidar com seu passado, que pode mobilizar o sofrimento de um grupo e a vitória de outro ao mesmo tempo.

Dessa forma, monumentos possuem diversas finalidades políticas. Eles podem, por exemplo, fazer alusão ao mito originário daquela identidade nacional, reconhecer grandes líderes que mudaram o percurso da História ou até nunca nos deixar esquecer o que fizemos no passado. No primeiro caso, podemos citar a Loba Capitolina que narra a criação de Roma e o Monumento de Gazimestan que nos lembra da Batalha do Kosovo, a lenda fundacional da Sérvia.

 
Loba Capitolina no Museu Capitolino, em Roma, Itália
Foto: Jean-Pol GRANDMONT
Monumento de Gazimestan no Memorial de Guerra, no Kosovo
Foto: Observador

Em segundo lugar, temos as estátuas citadas anteriormente que foram derrubadas, como a do rei Leopoldo II na Bélgica e o traficantes de escravos, Edward Colston, no Reino Unido. 

Rei Leopoldo II
Foto: UOL
 Edward Colston 
Foto: Deutsche Welle

Por fim, no que tange o terceiro caso podemos ressaltar os Memoriais sobre o Holocausto na Alemanha e o genocídio em Ruanda.

Memorial sobre o Holocausto
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Memórial do Genocídio de Ruanda
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E no Brasil? Derrubamos alguma estátua nesses últimos meses? A resposta é não, mas não ficamos de fora do debate. Como sabemos, o Brasil possui um passado genocida e escravocrata mascarado em uma suposta identidade cordial. Afinal de contas, o Brasil é o país do futuro, certo? Esse texto nos mostra como a memória é mobilizada por uns a fim de gerar um imaginário coletivo sobre nosso passado. Essa estória vira História, buscando desviar o foco ou até esconder um passado violento a fim de gerar “coesão nacional” ou boas relações com outros grupos, por exemplo, antigas metrópoles. Para ilustrar, podemos citar os monumentos de bandeirantes em São Paulo como o de Manuel de Borba Gato, que era conhecido por escravizar e caçar indígenas.

Manuel de Borba Gato, em São Paulo, Brasil
Foto: ALESP

Outro exemplo são as estátuas de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, personagens-chave para a “conquista” do continente americano pelos europeus.

Cristóvão Colombo, localizado na Praça Panamericana, São Paulo, Brasil
Foto: Chá da tarde/Wikipédia Commons

Pedro Álvares Cabral, em São Paulo, Brasil
Foto: ALESP

Por outro lado, também é importante questionar: valorizamos monumentos que buscam nos lembrar de momentos que nunca queremos repetir no Brasil? A resposta também é não. Um dos exemplos mais emblemáticos é o do Cais do Valongo no Rio de Janeiro. Declarado Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2018, esse sítio abriga memórias ligadas a dor e a sobrevivência de antepassados dos afrodescendentes brasileiros. É estimado que em 100 anos de funcionamento (1811-1911), cerca de 1 milhão de pessoas que foram escravizadas desembarcaram no Brasil por ali.

Cais do Valongo em julho de 2017
Foto: El País

Desde sua descoberta em 2011 durante as obras de revitalização da zona portuária, houve um esforço do governo federal, do ativismo negro e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para a preservação da memória representada no caís em concordância com o prazo de 2020 para as reformas de preservação estipulado pela UNESCO. Contudo, o que vemos nos últimos meses é um monumento alagado por uma falha do sistema de drenagem e o descaso do Estado com o projeto.

Cais de Valongo alagado em julho de 2020
Foto: O Dia

Que tipo de simbolismos queremos criar em um Brasil que mantém certos monumentos erguidos e negligencia outros?

Gostou do assunto e quer ler mais sobre as relações entre memória, identidade e trauma? Recomendamos o livro “Memory, Trauma and World Politics: Reflections on the Relationship Between Past and Present”, editado por Duncan Bell (2006).

Victoria Motta

Victoria Motta

Graduanda em Relações Internacionais com Domínio Adicional em Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas (PUC-Rio). Bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ no projeto “Normas em Contestação”. Atua como pesquisadora no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil e Assistente de Mídia e Criatividade do Debates Pós-Colonais e Decolonais.

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