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(DES)ENCONTROS DOS DIREITOS POLÍTICOS DE MULHERES NO BRASIL

Em mês de eleições, é comum já estarmos ligados na propaganda eleitoral na televisão, já termos escolhido nossos candidatos e até decorado alguns jingles, mas esse cenário nem sempre foi assim para grande parte da população brasileira. Nesse post, vamos abordar a luta constante pela participação política de mulheres no Brasil.

A narrativa sobre democracia que aprendemos na escola aponta sua origem na Grécia, onde as mulheres sequer eram consideradas cidadãs, portanto não poderiam exercer seus direitos políticos. No Brasil, a estrutura política perpetua uma subordinação das mulheres (sempre consideradas como esposas e filhas de algum homem) até os dias de hoje, mesmo considerando a possibilidade de mulheres votarem e serem votadas em eleições.

A presença de certas brasileiras em um contexto eleitoral começa no Segundo Reinado, quando Isabel de Mattos Dillon “burlou” a lei para conseguir votar. Ela usou sua profissão de dentista, portadora de um título científico, para obter o direito de voto no Rio Grande do Sul a partir da reforma eleitoral prevista na Lei Saraiva em 1881. Contudo, é importante considerar também que essa reforma aboliu o voto de pessoas analfabetas e, em um contexto abolicionista, isso impactava diretamente a população negra. A cidadania das pessoas anteriormente escravizadas, apesar de ser “conquistada”, se tornava uma de “segunda classe”, assim, somente um tipo específico de brasileira conseguiria votar.

Já na Primeira República temos a criação do Partido Republicano Feminino (PRF), movimento liderado por Leolinda de Figueiredo Daltro em dezembro de 1910. Na época, a cidadania das mulheres no Brasil continuava “incompleta”, isto é, sem direitos políticos, contudo, a lei não impedia a criação de partidos políticos que lutassem pela causa. Leolinda Daltro, além de lutar pelo voto feminino, fica conhecida na História por lutar pelo direito à educação para a população indígena. Sua proposta estava baseada na integração dos indígenas ao resto do país por meio da alfabetização sem pretensões religiosas.

Passeata do Partido Republicano Feminino no Rio de Janeiro, entre 1910 e 1920.

Foto: Hemeroteca Digital Brasileira/Biblioteca Nacional

Inspirado nas suffragettes inglesas, o PRF fez diversas mobilizações a fim de conquistar o direito de voto, sendo amplamente criticado pela imprensa da época. Somente em 1919 o PRF conseguiu, por meio de um projeto de lei do senador Justo Chermont (PA), começar a verdadeiramente pressionar o Legislativo para a inclusão do voto feminino, mas ele acabou “engavetado” no Senado Brasileiro. Por conta do caráter mais federalista da Primeira República, ou seja, havia uma maior autonomia dos Estados para criar suas leis, alguns Estados concederam a possibilidade de candidatura para mulheres que foram rapidamente caçadas com a justificativa de que a temática ainda não tinha sido discutida no âmbito federal.

Somente em 1932, com a reforma eleitoral trazida pelo primeiro Código Eleitoral do Brasil, o voto feminino facultativo foi permitido com algumas restrições: destinado somente às mulheres casadas, mediante a autorização dos maridos, e às viúvas e solteiras com renda própria sem restrição de raça. Além do direito de voto, essa reforma tornava o voto secreto e criava uma Justiça Eleitoral. Isso só foi possível com uma mudança significativa do cenário político brasileiro com a Revolução de 1930, que pôs fim à Primeira República e colocou Getúlio Vargas no poder. 

Panfleto de campanha eleitoral de Leolinda de Figueiredo Daltro em 1933.

Foto: Arquivo Nacional apud Karawejczyk (2013, p. 242).

A nova Constituição de 1934 abriu ainda mais o direito de voto, agora permitindo mulheres solteiras e viúvas que exerciam trabalhos remunerados (sem requisito de renda específico). Em 1935, o voto para mulheres se tornou obrigatório para as que trabalhavam e facultativos para as demais. Só trinta anos depois o direito de voto para mulheres foi igualado ao dos homens, com o Código Eleitoral de 1965.

Desde a inserção formal dos direitos políticos das mulheres no Brasil, nos deparamos com uma tímida inclusão de mulheres no processo político. De fato, o direito de voto foi garantido, mas a quantidade de mulheres exercendo cargos no Legislativo e no Executivo não cresceu muito. Isso porque, mesmo com tais sutis avanços, a velha ordem política brasileira se mantém. 

Casos que moldam e exemplificam essa antiga estrutura patriarcal, onde a figura feminina costuma ser afastada de protagonismos e ser colocada apenas em posições secundárias para cumprimento da norma, foram notificados, em 2018, pelo The Intercept Brasil. A investigação jornalística relata uma série de nomeações femininas laranjas, em que, boa parte das vezes, as mulheres não tinham nem conhecimento de seus registros de candidatura no TSE, além de não terem recebido sequer um voto nas urnas. O Intercept conclui que partidos usaram de tais meios desprezíveis para cumprir com a cota feminina nas eleições, instaurada desde 2009 pela lei que obriga os partidos a terem no mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Foto: Azmina  

Mecanismos frágeis e passíveis de fraude como este – 30 % de cota para candidatas do sexo feminino – refletem o cenário internacional de baixa participação de mulheres na política latino-americana, sendo o México o país com a melhor avaliação e o Brasil ocupando a antepenúltima posição. Segundo o Inter-Parliamentary Union, o Brasil é um dos piores países em termos de representatividade política feminina no mundo, possuindo apenas 14,62% de mulheres no parlamento, mesmo que elas sejam 52,5% do eleitorado. Esse panorama se torna ainda mais problemático quando percebemos que ele está praticamente estabilizado desde a década de 1940.

Mas de que mulheres se faz o Brasil? Seria ingênuo considerar que um sistema tão desproporcional conseguisse representar a diversidade de mulheres que compõem o Brasil. Assim, o que vemos é que a maior parte das mulheres eleitas ainda é branca. Uma reportagem do G1 aponta que mesmo em estados como a Bahia, quase 70% das mulheres eleitas são brancas, sendo que 82% da população é negra. Desse modo, como argumenta Rayane Gomes (2019, p. 12), as mulheres negras estão na intersecção de dois sistemas de desigualdade, o patriarcado e o racismo. Ela conclui que “[o] ponto de partida para o exercício dos direitos políticos dessas sujeitas carrega os efeitos da combinação de ambos os componentes de sua identidade”.

Nesse sentido, esse tipo de contraste também é perceptível quando adicionamos a lente de gênero às representações como as indígenas, quilombolas, e LGBTQI+. A ONU Mulheres, órgão da Organização das Nações Unidas que luta a favor da defesa dos direitos humanos femininos, possui iniciativas que buscam garantir não só a  participação plena e efetiva de mulheres brancas e heteronormativas, enquadrando também uma diversidade de lideranças presentes em projetos como a  Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, o projeto Voz das Mulheres Indígenas  e a Livres e Iguais, formada por mulheres lésbicas, bissexuais e transsexuais. No entanto, identificamos que ainda há muito a ser feito.

Ficou interessadx na temática? Recomendamos as seguintes bibliografias:

BARROS, Antônio; BUSANELLO, Elisabete; DA SILVA, Anderson; FERNANDES, Antônio. Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. Século XXI Revista de Ciências Sociais, v. 10, n. 1, p.263-300, jan./jun. 2020.

GOMES, Rayane Cristina de Andrade. Democracia, Mulheres e Raça: sub-representação negra feminina no Congresso e a efetivação dos direitos políticos no Brasil. 2019. 107f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.

KARAWEJCZYK, Mônica. As Filhas de Eva querem votar: dos primórdios da questão à conquista do sufrágio feminino no Brasil (c.1850-1932). 2013. Tese (Doutorado em História) – Faculdade  de  Filosofia  e  Ciências  Humanas da  Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do Sul, Porto Alegre.

____. Os primórdios do movimento sufragista no Brasil: o feminismo “pátrio” de Leolinda Figueiredo Daltro. Estudos Ibero-Americanos. v. 40, n. 1, p. 64-84, 2014.

Victoria Motta

Victoria Motta

Graduanda em Relações Internacionais com Domínio Adicional em Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas (PUC-Rio). Bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ no projeto “Normas em Contestação”. Atua como pesquisadora no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil e Assistente de Mídia e Criatividade do Debates Pós-Colonais e Decolonais.

Currículo Lattes

Ayzar Jalil

Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID-UFRJ) e Assistente de Mídia e Criatividade do Debates Pós-Colonais e Decolonais.

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